O problema social do envelhecimento

05-06-2009 23:02

    Segundo tem sido divulgado, cerca de um quarto da população nacional vive na pobreza. E, de acordo com um estudo da União Europeia, 20 por cento dos portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza. Por outro lado, 40 por cento dos pobres, em Portugal, têm como principal fonte de rendimento o que recebem de salário; 41 por cento das pessoas que recebem subsídio de desemprego são consideradas pobres; e 65 por cento dos que vivem dos benefícios sociais continuam a ser pobres. O grupo etário mais atingido pela pobreza é o dos idosos. E são eles também as maiores vítimas da exclusão social.

O problema do envelhecimento adquire, assim, uma dimensão social. E não há democracia social, digna desse nome, enquanto não houver uma política social que responda aos desafios que o envelhecimento da população hoje coloca.

O problema social do envelhecimento resulta das transformações demográficas operadas nas últimas décadas nas sociedades mais desenvolvidas, as quais conduziram a um progressivo aumento da esperança média de vida e a uma acentuada redução da taxa de natalidade. Há cada vez mais idosos e cada vez menos crianças. E a tendência é para o seu agravamento. É óbvio que o aumento da esperança média de vida é uma das grandes conquistas do século XX e, como tal, deve ser saudada. Durante muito anos a luta da Humanidade foi por prolongar a vida, «dar mais anos à vida». Hoje a luta é «dar mais vida aos anos». E tem de ser assim, porque o aumento da esperança média de vida não se traduziu, no entanto, numa melhoria da qualidade de vida de idoso.

A revolução demográfica, e os problemas económicos e sociais daí decorrentes, levaram a Assembleia Geral das Nações Unidas a adoptar, em 1991, os Princípios das Nações Unidas em favor das Pessoas de Idade, subordinados ao lema «Para dar mais vida aos anos que se juntam à vida». Esses princípios prendem-se com a autonomia, a participação, os cuidados, a auto-realização e a dignidade da pessoa idosa. A partir de então, os problemas sociais do envelhecimento passaram a estar na ordem do dia. Mas a solução dos mesmos não é fácil. E não o é porque a nossa sociedade encontra-se em completa transformação. Abalada pela droga, corrompida pele dinheiro e com a família em queda, a sociedade perdeu os valores tradicionais, que eram a base da sua coesão.

Vivemos numa sociedade onde impera a cultura do prazer, da posse e do novo; onde se fomenta e defende as virtudes da concorrência e do individualismo; onde se cria artificialmente uma apetência desenfreada para o consumismo. Uma sociedade que idolatra o novo tende a desprezar o que é velho, isto é, tende a abandonar o idoso. Em tal contexto, é difícil germinar a solidariedade. A solidariedade tem a ver com cada um de nós. Com a prática de uma cidadania activa. Menos consumista e mais interventiva na comunidade. Especialmente junto dos mais desprotegidos, designadamente dos idosos.

Mudar mentalidades e comportamentos:

Para combater este estado de coisas é necessária uma mudança nas mentalidades. Acabar com os preconceitos ainda existentes à volta do idoso. Porém, não basta só mudar as mentalidades. É necessário mudar também os comportamentos, a começar nas famílias, nas escolas, nas instituições, nos serviços. A nossa sociedade encara o processo de envelhecimento como uma fase de decadência. A pessoa idosa é, na maior parte dos casos, rejeitada do sistema produtivo e socialmente desqualificada. As limitações económicas e físicas, a indisponibilidade da família, a perda de desempenho de papéis e a cessação da actividade fazem com que praticamente perca a sua identidade. A partir daí, ela está disponível para ser infantilizada. A infantilização dos idosos, tão bem descrita por Lobo Antunes em duas páginas do seu romance Manual dos Inquisidores, deve ser firmemente combatida, pois ela é a negação do idoso como pessoa e um ataque à sua dignidade. Por isso, no projecto do Plano Gerontológico se defende que «os idosos devem ser considerados um elemento importante e necessário do processo de desenvolvimento, a todos os níveis, da nossa sociedade». A contribuição dos idosos, prestada em função das suas reais capacidades, «permite a este sector da população adquirir novas responsabilidades e transitar, assim, do estado de produtividade económica para o de produtividade social». Para que isso aconteça é preciso dinamizar a participação das pessoas idosas na vida familiar, social, cultural, económica e política. É necessário fazer ver às pessoas idosas que a sua vida não está esgotada, que ainda têm muito a dar à colectividade, principalmente no acompanhamento dos mais novos, no trabalho voluntário, no apoio aos mais necessitados, nas direcções de colectividades. Isto para além da sua própria valorização, que pode passar por aprender a ler, por estudar aquilo com que sempre se sonhou e não se teve oportunidade de fazer, por praticar os desportos adequados à idade, por passear, visitar museus e monumentos, por conviver. Só assim se concretiza um dos princípios definidos pelas Nações Unidas, o da auto-realização, ou seja: a «possibilidade de

acesso a oportunidades de desenvolvimento das suas capacidades» e o «acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade». Estado-providência,  autarquias, sociedade civil e associações de reformados  As respostas do Estado-providência e da sociedade civil a esta realidade são conhecidas. Podemos dizer que hoje ambos desenvolvem e praticam o caminho iniciado com a assistência pública. Como se sabe, a assistência pública é orientada para socorrer os desprovidos de meios próprios, tendo, pois, um carácter supletivo, que é o de colmatar carências onde as instituições tradicionais, nomeadamente a família, se mostram insuficientes. A lógica do Estado-providência é outra. É uma lógica institucional, visando uma sociedade mais equilibrada do ponto de vista social. Ora a situação actual mostra-nos que nos encontramos ainda no primeiro patamar da política social. Na realidade, os equipamentos sociais que vão surgindo, um pouco por todo o lado, dirigem-se, fundamentalmente, aos idosos mais carenciados, quer seja do ponto de vista físico, quer seja do ponto de vista económico. Por isso afirmamos que ainda não se passou do primeiro patamar. Indispensável, certamente, mas insuficiente. Temos de ser mais ambiciosos e ir avançando para o segundo patamar, aquele que tem de responder aos problemas da maioria dos idosos. Algumas experiências vão surgindo aqui e ali, quase sempre por iniciativa da sociedade civil. É o caso das Universidades da Terceira Idade, que se têm multiplicado por todo o País. Dos grupos corais, dos ranchos folclóricos, dos encontros intergeracionais. Mas estas e outras actividades e iniciativas, que se dirigem à maioria dos idosos, não mereceram ainda o apoio institucional a que têm direito. Mais: devido a uma confusão entre assistencial e social, todo este labor ainda não é considerado como acção social! Como se o homem não fosse um ser social! Também as autarquias têm um importante papel a desempenhar nesta área. Quer a nível das condições do acesso e da habitabilidade dos domicílios para as pessoas idosas; quer na implementação de modelos de urbanização que permitam um meio ambiente mais humanizado; quer favorecendo passeios e viagens de intercâmbio; quer incentivando a participação das pessoas idosas nas iniciativas culturais, recreativas e desportivas; quer instituindo o Dia Municipal do Idoso e criando o Cartão Municipal do Idoso. De entre os equipamentos sociais destinados aos idosos, o Centro de Convívio é uma peça essencial, e a sua criação representa já a passagem da função assistencial à função integradora do idoso. Seja por aquilo que lhe proporciona, seja por aquilo que lhe possibilita, o Centro de Convívio contribui para a autonomia e participação do idoso, a qual passa pela sua intervenção no mesmo. Ele não é apenas um utente passivo, mas sim o sujeito da sua história.

Trilhando este caminho estaremos a contribuir para a integração social do idoso. Como se afirma no Livro Verde da União Europeia sobre Política Social, «a solidariedade entre as gerações é crucial, mas o principal problema continua a ser a integração social das pessoas idosas». Só assim combateremos a exclusão social e a marginalização dos idosos. Para que isso aconteça é necessário organizar os idosos, quer seja nas associações de reformados, ligadas ao MURPI (Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos), quer seja na Inter-Reformados, ligada à CGTPIntersindical Nacional. Só organizados os idosos poderão lutar pela defesa dos seus direitos.

 

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